E foi com muito agrado que acerca de 1 mês atrás recebi o convite da minha amiga Tânia Machado para ir ver um concerto da Ana Moura ao renovado Cine-Teatro de Alcanena no passado dia 11. Disse, sem hesitar, “sim”! A música que melhor conhecia de Ana Moura intitula-se “Fado da Procura” e eu delicio-me a ouvi-la. Um fado corrido onde Ana Moura pergunta “mas porque é que a gente não se encontra?”. Encontramos, pois, que eu não deixei escapar a oportunidade.
E assim, com o “Fado da Procura” na cabeça eu fui à procura do fado.
Entrei no novo Cine-Teatro de Alcanena e fiquei agradavelmente surpreendido. Um espaço acolhedor e bastante agradável, com excelentes condições para a realização de espectáculos de diversos tipos. Enquanto esperava que as luzes se apagassem e se fizesse silêncio, comentava com a Tânia que este tipo de salas tinham um efeito bastante positivo para noites de fado. Um efeito talvez até melhor que o Coliseu de Lisboa onde as dimensões da sala retiram a cumplicidade existente em salas mais pequenas, como a de Alcanena, onde os 300 lugares esgotaram para ver a fadista.
Apagam-se as luzes. Faz-se silêncio. Entram os guitarristas e, logo de seguida, Ana Moura.
Custódio Castelo dá então os primeiros acordes. Que beleza. Castelo dança ao som do seu próprio dedilhar. Castelo, que em 2004 foi dado como “inapto” para a vida de guitarrista devido a uma ruptura de ligamentos provocada pela calcificação dos ossos, traz-me momentaneamente à memória Carlos Paredes. Não que ouvisse Carlos Paredes, porque não ouvia, mas se Castelo toca assim, imagino como seria ver Paredes ao vivo.
Ana Moura vira-se de perfil para o público em sinal de respeito com a “Guitarra” que encara de frente e que começa a cantar. Mas eu estou encantado com Castelo. Custódio Castelo assim que foi dado como inapto, foi buscar a guitarra portuguesa, irrompeu pelo consultório do Dr. Brás Cardoso adentro e sentou-se. Tocou à sua frente e disse-lhe: “Eu faço isto, estou com muitas dores e na iminência de deixar de o fazer. Salve-me por favor”. O médico comoveu-se e decidiu abrir uma excepção: “Vai ficar a tocar ainda melhor”. E como toca Castelo… teria ficado ali a noite toda a ouvi-lo tocar, a vê-lo dançar e a tremer na cadeira cada vez que ele fechava os olhos. Aquele homem ama o que faz. E a guitarra ama-o. Uma delícia. Um chato também, este Castelo, que quis uma segunda vida de guitarrista. Mas que grande chato, não é?
E dança a Ana Moura. Dança carinhosamente enquanto canta “Sou do fado, Sou fadista”, “No Expectacions”, “Aconteceu”, “Rosa Cor de Rosa” ou “Mapa do Coração”. Ana Moura, nascida em Coruche, é portadora de uma voz fantástica, onde a rouquidão penetrante se confunde com os rompantes que arrancam os habituais “ah fadista” vindos do público. Casava-me só com a sua voz. E os meus olhos brilham cada vez mais. A Tânia já só olha para mim a tentar perceber porque tenho aquele sorriso estúpido no rosto ao mesmo tempo que danço na cadeira. Porque sou um chato, Tânia. Um grande chato.
Enquanto Castelo volta a tocar sem a voz de Ana Moura, esta bebe um cálice e conversa com o público, alcançando, naquele momento, a cumplicidade que eu gosto nas noites de fado. O público pede então que cante “Búzios” e Ana Moura faz levantar a sala. Que maravilha… a que profundezas foi o mundo buscar esta voz de deusa? Encontro-me, à altura, simplesmente enchanté.
Ana Moura despede-se então do público. Este não arreda pé e só volta a sentar-se quando a Ribatejana volta ao palco. Volta para pôr 300 pessoas a cantarolar os famosos versos de Carlos Ramos onde este exalta o fado, aconselhando o povo num explícito “Canto o Fado”. Lucília do Carmo também é recordada num “Fado Loucura” e a noite termina novamente com “Búzios” mas agora com toda a sala a cantar num murmúrio absolutamente deleitoso. E Ana Moura deixa-me com água na boca, de tal forma que não quero ficar por aquela hora e meia e já tenho os bilhetes para mais uma noite inesquecível. É uma chata, ela. Uma grande chata.
Percebo agora porque foi Ana Moura escolhida pelos Rollings Stones para integrar o projecto musical levado a cabo pela banda norte-americana que culminou com um concerto no Estádio Alvalade XXI em Junho de 2007. Não foi por acaso. Tim Ries também deve ser chato. Um grande chato.
E olha, Ana, dia 09 de Agosto lá estou eu em Tavira para te voltar a ver. Prefiro pagar 10€ para te ir ver dançar e cantar com um xaile preto aos ombros e três velhotes à tua volta com uma guitarra nas mãos, do que gastar os mesmos 10€ numa qualquer discoteca algarvia onde as turistas se exibem, não com o xaile preto, mas com tecido a menos, para os meus amigos que me gozam por te ouvir.
Mas isso sou eu, Ana, que sou um chato. Um grande chato.