quarta-feira, 25 de maio de 2011

Tudo Bons Rapazes

Ontem fiquei perplexo, como todos vós com certeza, ao ver cenas deprimentes em que uma série de jovens espancou uma rapariga de 14 anos na cidade de Lisboa.


Não posso acrescentar muito mais a isso do que aquilo que escrevi no dia 26 de Março de 2010 no extinto 'Pau de Dois Bicos' e que deixo hoje aqui para que possam ler (ou reler).


Apesar de o caso ser outro, o contexto é semelhante e a minha análise não podia continuar mais actual.




"O mundo atravessa, actualmente, um contexto social preocupante. Isso parece-me óbvio e a questão ganha, em Portugal, contornos agravados. Nos últimos trinta anos têm crescido em Portugal gerações contínuas de bons rapazes que procuram sempre o caminho mais fácil, mediocrizando os seus objectivos e recostando-se ao trabalho dos outros. Impera sempre a lei do “desenrascar”, do “amigo que deve um favor” ou do “lixar o parceiro”, como se diz na gíria popular.

Tudo isso tem uma base e, no nosso país, todos os sonhos de uma nação desenvolvida e cívica são arruinados à partida quando a base está frágil e dá sinais de podridão. Essa base, entendam, está na educação. A educação em Portugal é, globalmente, fraca. Não vos falo de maus professores, falo-vos de maus formadores que são conceitos distintos.
Mas, é preciso deixar claro, a educação não está apenas nas escolas: há maus formadores na escola e em casa.

Como escrevi há uns três anos no Soma & Segue, jamais me atreveria a insultar ou agredir um professor. Não que seja melhor que os calões e coitadinhos que a sociedade desculpa e contempla no seu formato de democracia exacerbada que nos tem roubado os valores de Abril, romantismos à parte. Estes rapazes são pessoas sem formação que em pequenos parecem inofensivos e que não lhes são incutidos valores básicos: hoje não se castiga porque o menino é engraçado, porque ele não fez por mal ou porque a professora é que embirra com ele; amanhã é tarde demais porque, o outrora menino, vive agora à custa de subsídios alimentados pelo trabalho daqueles que sempre se empenharam em ser reconhecidos pelo seu mérito, porque assalta e mata sem escrúpulos e anda à solta, porque destrói o contexto de sociedade harmonizada.
São tudo bons rapazes. Até ao dia em que deixam de o ser.

Eu teria sido igual a eles, não duvido. Mas não fui porque tenho valores que me foram incutidos na escola e em casa. Eu sabia que teria uma punição quando errasse: quando há crime, tem de haver castigo. Isso é rudimentar e não é preciso ler Dostoiévski para incutir ao próximo.

Esta crise de valores aguda agrava-se de geração para geração e o mais preocupante é que todos sopram para o lado fingindo não entender que o problema está ali, como um vírus mortal, e cresce ao nosso redor. É preciso entender o que se está a passar, sem dramatizar, e atacar a raiz do problema.
Acreditem: o que se passa actualmente é um vírus mortal que tem exterminado a nossa sociedade e os seus valores fundamentais.

A semana passada o país acordou para uma realidade que fingia não existir: os bons rapazes que nós aceitamos na nossa sociedade destruíram uma família em Mirandela e o medo que provocam numa criança inocente levou-a a, imaginem o desespero, num frio arrasador, despir-se todo e mergulhar nas águas geladas do Rio Tua. O Leandro era uma criança. Inocente, por sinal.

Onde estão os culpados neste momento?! Onde estão os formadores, e não professores, da Escola onde o Leandro estudava?! A justiça não castiga e há uma sensação de impunidade incutida no espírito do vilão que o leva a fazer o mal e ainda se ficar a rir disso.

Em Mirandela, há uma família destruída com os sonhos arrasados e que terá de viver com um fardo muito pesado para o resto da vida. A morte de um filho é uma doença crónica. Mas também em Mirandela, há um conjunto de miúdos que arruinaram essa família, que conscientemente e simplesmente por puro divertimento humilhavam e ameaçavam todos os dias o Leandro, mas que a justiça vai deixar passar impune.

Não alinho na ideologia barata que os psicólogos vendem de que existe em Portugal um bullying desmedido. É uma invenção. Entramos, com estas teorias, num exagero néscio que qualquer dia um miúdo, depois de cortar o cabelo, leva três “caldunços” de um colega e é caracterizado como vítima de bullying.
Li há dias uma entrevista de António Coimbra de Matos, reconhecido na área da psiquiatria e ex-professor na Faculdade de Psicologia de Lisboa e no ISPA, à revista Sábado em que ele dizia que “a anorexia não existe, é uma doença criada pelos psiquiatras e psicólogos que vivem à custa disso. O problema são as depressões”. Concordo, e defendo esta teoria há muitos anos. E penso o mesmo em relação ao bullying.

Quem matou o Leandro não foi o bullying. Foi a sociedade
."