quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Fim

Acabou.

Sim, vou deixar de fazer Sumo de Kiwi.
Este é o meu último texto. Vou escrevê-lo sem fazer correcções: o que sair é o que fica. E sinto que vai ficar enorme.

Existem algumas razões para decidir deixar de escrever aqui: em primeiro lugar porque as realidades informáticas alteraram-se, ou seja, se dantes eu escrevia as minhas notas, pensamentos e textos aqui, actualmente divido isso entre o Facebook e os jornais onde vou escrevendo, actualmente n’ “O Torrejano”; em segundo lugar porque pretendo alocar o tempo que perdia a organizar o blog (ultimamente muito pouco) noutras prioridades, nomeadamente num projecto pessoal que tenho desenvolvido lentamente mas que aparecerá; em terceiro lugar porque, na verdade, duvido que alguém leia isto sem ser por caridade.

Quando comecei a escrever aqui fi-lo porque, na altura, precisava, de algum modo, de me sentir útil. A minha vida estava, como muitos dos que leiem isto sabem, num marasmo em que todos os sentidos davam a becos sem saída.Levei muita pancada (metaforicamente falando) e sobrevivi. Encontrei novos rumos e neste momento, mais tarde do que alguma vez imaginei, sei que vou conseguir.


Desde 2007 que atravesso a fase mais difícil da minha vida. Parece que acabar o curso é pouco mais que uma miragem. Ter comigo as chaves de 3 ou 4 casas mas não poder chamar “lar” a nenhuma delas é muito mais doloroso do que alguma vez imaginei. Se alguma vez chorei? Chorei muito e hei-de chorar mais. Mas hei-de conseguir. Vocês sabem o que hei-de conseguir.


Porque tenho em mim algo que, por mais portas e janelas que me tenham fechado, nunca me tiraram: a minha liberdade e a minha honra.
A liberdade de pensar. De sonhar. De imaginar. Foi isso que, juntando a outras coisas, nunca me fizeram desistir. Quando, por vezes, ficava à noite abraçado ao Gui num recanto escuro e chorava em silêncio para ninguém ouvir a única coisa que me era permitido fazer sem ser castrado era pensar. É por isso que gosto tanto de pensar. Penso o que eu quiser. Sou o que quiser. E armo bases para que nunca ninguém se esqueça que eu existo.


Pensem. Sonhem. Porque quando perderem isso, perdem a vossa identidade. Deixam de existir.


Quando comecei a escrever já tinha saído de casa nas circunstâncias que muitos de vós sabem.
Neste entretanto, perdi o João.
Já alguma vez acordaram de um sonho em que parece que estão a cair de um prédio e não há terreno firme para pisarem? Essa é a denominada sensação de chão a fugir dos pés.
Agora imaginem o que é sentir isso. Sem ser a sonhar. Sentir isso bem acordados.
Eu senti. Não queiram sentir.


A morte do João naquela altura foi como estar num ringue de boxe prestes a perder e quando me tento levantar do chão levo um soco que me deixa KO.
No dia em que vi o João na cama do hospital soube que ele ia morrer. Saí do quarto completamente alucinado. Lembro-me de bater com a cabeça numa janela do Hospital de Santa Maria e de alguém me tentar agarrar antes de cair desamparado no chão a chorar como se me tivessem tirado, precisamente, o chão que piso.


Se essa dor já passou? Não. Claro que não.
Nem nunca vai passar. Perder assim o nosso melhor amigo é uma doença crónica.

Há uns dias disse a alguém que “posso um dia conseguir tudo o que uma pessoa deseja, tudo o que se possa imaginar mas faltar-me-á sempre o João”. Isso impede-me de ser plenamente feliz. É impossível adormecer sem pensar no João.
Mas não, não tenham pena de mim. Eu não quero pena.
Quero que pensem como os vossos amigos são importantes, quero que vivam todos os dias dando graças de poder estar com eles, quero que cheguem ao pé dos vossos amigos, dos vossos pais, de quem vos é importante e não tenham medo de lhes dar um abraço e dizer “amo-te”.


Não tenham medo nem vergonha.
Acreditem, porque eu já aprendi, que essa é a maior riqueza que temos na vida.
Eu dava tudo, tudo mesmo, para poder por mais uma única vez ver o sorriso do João, dar-lhe um abraço e dizer-lhe “amo-te puto”.


Mas, embora não acredite na vida depois da morte, tenho esperança que exista. É irónico que a minha maior esperança seja algo em que categoricamente não acredito. Quero voltar a estar com ele.


Há pessoas a quem ainda posso fazer isso.
A minha mãe é, indubitavelmente, a pessoa mais importante a quem ainda posso dizer “amo-te”. Se eu sofri nestes 4 anos, ela sofreu ainda mais. Se eu chorei, ela chorou a dobrar. Se eu lutei, ela lutou sem ter forças. Devo-lhe mais do que aquilo que algum dia conseguirei dizer.

Sei que parece um lugar comum, mas no meu caso dizer que a minha mãe é a melhor do mundo ganha um significado extra. Torna-se mais profundo.


Tenho um orgulho imenso na minha mãe.


Há uma coisa que nunca vou poder fazer: julgá-la. E quem, por fora, o faz, não sabe do que fala. Não sabe sequer o que é sobreviver como ela sobreviveu. Não sabe nada e por isso não merece sequer que me digne a perder o meu tempo.


Tenho uma sorte dos diabos por ter nascido com esta virtude de saber ver, a tempo e horas, quem merece o meu amor. Apercebi-me disso com o João e faço-o com a minha mãe.
Amem. Digam que amam. Cheguem a casa e dêem uma flor à vossa mãe. Um dia vão querer dá-la e não podem. Dêem-lhe um beijo na testa em sinal de carinho e ternura. Fiquem em casa, à noite, a fazer-lhe companhia.
Acreditem, porque eu já aprendi, que não se vão arrepender.


Não tenham medo de beijar em público quem amam. De lhe agarrarem na mão, estando de joelhos, num sítio longíquo de todas as proibições e constrangimentos, de olharem nos olhos e dizerem “amo-te”.


Esse sítio de que vos falo é na vossa mente. Libertem-se.
Acreditem, porque eu já aprendi, que é a sensação mais reconfortante que podem ter.


Continuo a ver no meu irmão um exemplo.
Sei que, sem o exemplo que ele sempre me transmitiu, eu provavelmente teria descarrilado e seria hoje uma pessoa esquecida, frustrada e revoltada comigo próprio.
Ganhar-lhe um jogo de Trivial continua a ser o desafio da minha vida. Mas não é por aí que ele é um exemplo. Ou melhor, é por aí também mas é mais pela força que ele sempre teve.


Vou contar-vos uma pequena história. O meu irmão teve um professor no 8º ano (onde ninguém marca a diferença, basicamente aos 13 anos todos os putos são parvos). 12 anos depois, num gabinete da Escola Secundária, eu estava numa contagem de votos para a Associação de Estudantes e o tal professor, para pôr conversa, pergunta-me de onde sou. Eu respondo-lhe que sou da Gouxaria e ele diz-me, num ar descontraído e enquanto analisa as listas de votantes, “ai é? Então e conhece lá um rapaz que é o André Filipe?”. Eu disse-lhe que sim, que é meu irmão. Para meu assombro, o professor parou o que estava a fazer e com o ar mais sério que lhe vi naquela noite coloca os óculos na ponta do nariz, olha-me por cima deles e diz-me: “você é irmão do André? Sabe uma coisa: o seu irmão foi o melhor aluno que passou por esta escola”.


Quando um professor diz isto, 12 anos depois, não se refere ao facto de um aluno do 8º ano gostar de ler e escrever. Para ainda se recordar dele assim é porque o marcou de uma forma muito mais profunda: enquanto homem. E quando uma pessoa com 13 anos marca um adulto desta forma, está destinado ao sucesso.


Felizmente encontrou-o. Não “graças a Deus” que eu cá odeio essa expressão. Foi graças a ele.


O Gui partiu também. Sei que por vezes parece exagerado o amor que tenho por ele.
Não é. A minha vida foi, em certos períodos, demasiado sofredora para que eu hoje ignore o que sentia quando chegava à noite e ele era o único amigo que tinha, o único conforto. Eu sei que ele me percebia, não duvidem. Sei que me olhava e se agachava em mim como quem quer dar um abraço.


Sei que ele será sempre na minha vida muito mais que uma memória longíqua, muito mais que um parágrafo num blog ou muito mais que dois caracteres chineses tatuados nas minhas costas.
É um amigo. É alguém de quem tenho imensas saudades.

Outras pessoas marcaram e continuam a marcar a minha vida.
Não vou falar tão pormenorizadamente mas quero deixar o devido obrigado a essas pessoas, muitas das quais já mencionadas no post Mudança, de 8 de Julho de 2008:


- aos meus avós maternos, em especial à minha avó, por todo o legado que me deixaram;
- à Ti Mina e ao Titó que foram muitas vezes meus pais e pelos quais terei sempre um carinho proporcional à dívida que nunca lhes conseguirei pagar pois fizeram por mim algo que nunca imaginei que fosse possível;
- à minha prima Sílvia que me dá a mão a toda a hora para que eu não tenha a tentação de cair;
- à Joana (Companheira) que eu continuo a amar como se ama uma irmã;
- à Ti Nanda, ao Cesário e à Patrícia que, mesmo com todos os azares, tiveram sempre algo para me oferecer: principalmente um conselho, uma mão amiga ou uma força que não nos deixa desistir;
- ao Manel e ao João Paulinho que continuam a fazer-me sorrir só de sorrirem;
- à Carlota que, inexplicavelmente, deu uma luz nova à minha vida. Vê-la sorrir torna tudo tão mais simples;
- ao Carlos que sempre se ofereceu para me proteger e eleva para lá de primo a condição que nos une;
- aos pais do João onde encontrei duas pessoas incrivelmente prestáveis e amigas com as quais terei eternamente uma ligação familiar;
- à Beta e à Cristina, também, porque, de formas diferentes, sabem sempre como me confortar o espiríto;
- à Sofia que, muito embora o tempo e a vida nos tenha levado para rumos distantes, continuo a ter por ela um carinho enorme que distância nenhuma conseguirá alguma vez apagar;
- ao Fábio, ao Filipe, à Ânia, à Mariana, à Sofia Raquel, à Tanixa, à Teles, à Núria, à Carolina, à Susana, à Marta, ao Jorge, à Sofia Frazão, à Solange, à Filipa Pedro, à Petxa, à Rita Vieira e à Inês, que tiveram, e muitos continuam a ter, uma importância extrema na minha vida;
- ao David que me mostrou como se podem ultrapassar todas as barreiras e como a verdadeira amizade sobrevive sempre;
- às professoras Leonilde e Cristina, duas mulheres que não consigo esquecer e ao professor Sérgio que, hoje reconheço, incutiu em mim valores importantíssimos;
- ao Ricardo, à Raquel, à Nini e à Marta, o melhor que ainda hoje guardo de Coimbra.
- ao Tiago, que tem valores indescritivéis como ser humano e uma das pessoas que mais orgulho tenho em conhecer;
- ao Tavares que, após estes anos todos, continua a ser um bom amigo no qual posso sempre confiar;

- à Daniela, que se revelou uma pessoa extraordinária e sem a qual a minha vida já não seria igual;
- ao Luís André, ao Nuno Miguel e ao Rui Flora, três amigos para além da condição que essa palavra oferece. Encontrá-los, em qualquer altura da minha vida, faz-me sempre lembrar dos melhores momentos da minha vida. Ao Rui, destaco também, o exemplo que ele é enquanto pessoa;
- à Rita porque será sempre um motivo de alegria na minha vida. Imagino-me daqui a 20 anos, ambos adultos com vida própria, e ainda a dizer piadas parvas um ao outro. O sorriso daquela míuda e a relação que tenho com ela não tem preço;
- à Diana, que será sempre a minha eterna namorada;
- ao Francisco e à Matilde. Não encontro palavras que justifiquem o que é estar com aqueles meninos. Um dia que saia de Lisboa, eles serão provavelmente a melhor recordação que levo;
- a todos aqueles que me têm dado a mão nestes anos e que eu não mencionei por puro lapso.




Nestes 3 anos, 3 meses e 10 dias escrevi sobre muita coisa. Principalmente sobre o que mais gosto. Não apagarei essas memórias até porque posso, mais tarde, acrescentar algum post.
Falei-vos de Fernando Pessoa, Sporting, Fado, Paz, Liberdade, Literatura, Amor, Música, Amizade, Arte, Cinema, Religião, U2, Bruno Aleixo, Maradona, Princesa Diana, Aung San Suu Kyi, Nelson Mandela, Memórias, História, Política, Sociedade, Economia, Desporto ou simplesmente sobre a minha vida. Existem outras que vos falei menos ou nem sequer mencionei mas que fazem parte de mim de uma forma ou de outra. A Gouxaria, e o Boomerang em particular, são coisas que me deixam saudades.



Isto é o que eu penso.
E eu sou aquilo que penso. Serei sempre.